sábado, 13 de março de 2010

Roxanna


Seu cabelo vermelho, seus olhos felinos. Lembro-me bem da primeira vez que te vi, Roxanna. Começava ali o meu caos e eu sequer me dei conta disso. Ao contrário, me senti flutuar aspirando o enigmático olor que exalavam seus poros.

Caí em sua teia como a presa mais fácil de ser capturada e você fez de mim um pequeno joguete, manipulando-me de acordo com suas necessidades. Sua ingratidão me consome até hoje. Sua traição me deixa desconcertado. Sua baixeza, Roxanna. Sua pequeneza e minha maneira imbecil de te perdoar sempre.

Como pôde ser tão cretina? Seu comportamento execrável diante de tudo aquilo que eu tinha como importante. Sua falta de tato, de bom senso. Como pude ser tão tolo? Deixei-me levar por seu sorriso juvenil, o toque de cetim de suas mãos e seus beijos; meus infortúnios não poderiam ser maiores.

Hoje, Roxanna, com a senilidade se apossando de minha alma como uma onça à espreita da caça, recordo-me de como sorria ao lado teu e de como aquele castelo de espuma que você criou para mim parecia uma idílica tarde de primavera em minha vida tão cansada. Hoje só te odeio por te amar demais.








quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Marchinha de Você


Eu ainda fico meio sem jeito quando você me olha desse jeito parecendo que os seus olhos grandes-brilhosos-verdes, reacesos com essa cor bonita que sol te pintou, vão sair dançando o carnaval inocente de outrora e jogar confetes sobre os passos que ainda vou dar. É uma mistura com seu sorriso orelha-a-orelha de dentes retos e fortes que cabem numa boca pequena, mas tão pequena que na hora de dizer eu te amo fica toda errante procurando espaço.

Eu fico tão sem jeito de modo que as vezes não consigo te olhar e nem sei como reagir, porque jorra de você um rio de coisas boas que vem me despindo, tirando todas as minhas defesas e argumentos que um dia tentaram te parar.

Venha cá, minha menina. Venha sentar aqui pertinho de mim, venha aqui deitar em meu colo para eu perder todos os meus dedos mexendo nos seus cabelos recém-penteados, com o cheirinho do seu novo shampoo, ou o cheirinho daquele novo reparador de pontas que você comprou ou ainda com o cheirinho de maré do rio-mar onde banhamos, como você mesma diz. Eu sei que depois disso voce vai ficar com os cabelos lá em cima, e vai me dizer que precisa cortá-los e eu vou dizer que não porque eu gosto é de seus cabelos assim, loiros, ondulados e cumpridos.

Você vai mexer muito as mãos. Vai mexer nos cabelos e abrir portas para que eu possa ver as cores novas com as quais voce pintou as unhas e eu vou fingir não ver, e só vou elogiar quando você disser que pintou hoje pela manhã antes de ir ao trabalho. E depois você vai reclamar porque que parte do esmalte soltou enquanto nadávamos e que vai ter que pintar novamente. E quando inventarmos de fazermos um cachorro-quente vai se queixar com carinha de choro porque o ralador ralou algo além da cebola. E eu vou sorrir porque eu acho tudo isso engraçado e você é tão linda, até com metade das unhas pintadas. Eu vou rir porque voce vai me dizer pela milesima trezentesima quinquagesima vez que você só gosta de passar a base nas unhas dos pés.

Você sabe, minha pequena que todos os outros vão rir de nós e não vão nos levar a sério porque nós vamos dançar feito malucos mexendo o bumbum, os braços, a cabeça, os cabelos, vamos inventar passos. Todos vão nos invejar porque vamos rir bastante, mas bastante mesmo um do outro imitando um bêbado ou procurando mais vinte centavos para poder tomarmos a nevada do Bira feita com Vodka Balalaika. Vão nos estranhar porque nao brigamos, mas trocamos esse tempo para jogar dominó em par bem tarde da noite até o sono chegar, ou vamos tomar musse de maracujá com sorvete de mangaba escondido da minha mãe que só sabe dizer que a gente come de mais, mas não vamos nos importar porque a gente nada quatro dias na semana.

Eu sei que nós vamos nos despedir novamente daqui a pouco e vamos voltar a trocar mensagens e telefonemas, mas só me dá mais um abraço que já está me dando uma saudade desse seu cheiro e desse seu colo cheinho de maracujá.






sábado, 6 de fevereiro de 2010

Lápis-de-cor




Descoberta.

Esculpindo sorrisos em pedra-sabão,

me vi dedilhando seu corpo

como se fosse um delicado

acorde musical

ou instrumento raro


[sim, muito raro]



Intensidade.

Meu sangue percorreu minhas veias

com a velocidade com que te despia

Não lembro bem como tudo aconteceu

nem como seus mamilos foram parar

em meus lábios.



Volúpia.

Seu riso de malícia me indicava o

caminho certo e eu

continuava a desvendar

cada poro,

cada passo,

cada espaço seu.



Delírio.

Cravando suas unhas em minhas costas,

você me dizia palavras

que eu não saberia dizer

se eram sacanas

ou só se amor


[ou os dois]



Olhares.

Cansaço.

Recomeço.



sábado, 30 de janeiro de 2010

Primeira Vez (ou Início do Caos)





A primeira vez que me apaixonei, me lembro bem. Era um dia de céu muito azul e uma brisa fresca. Um típico dia de primavera. Eu estava rodeado de amigos, numa daquelas “peladas” de rua, quando a avistei. Parei de súbito, com os olhos arregalados e pousados naquela mulher com rosto de menina. Dali por diante, o futebol havia deixado de ser meu passatempo favorito. Era ela quem havia dominado todos os meus pensamentos, dos mais santos aos mais profanos. Eu era dela por opção. Minha, claro.

Os dias que se seguiram a esse encontro de paixão fulminante foram terríveis. Eu não parava de pensar naquela mulher de cabelos ruivos que havia arrebatado o meu coração e, infelizmente, minha alma. Eu a via todos os dias e suspirava até mesmo dormindo. Nessa mesma época eu andava descobrindo sensações estranhas no meu próprio corpo. Foi uma fase de muitas descobertas. Algumas tristes.

Eu a admirava cada dia mais, mas minha timidez auto destrutiva limitava meus impulsos nervosos. Resumindo: eu não sabia o que fazer. Tentei me aproximar de variadas maneiras daquela mulher exuberante que usava umas saias de seda acima dos joelhos mais esplêndidos que eu já vira. Tinha maçãs do rosto bem definidas e um sorriso que lhe tornava uma criatura angelical, mesmo usando aquelas camisas de decotes mal-disfarçados.

Eu havia me tornado seu escravo, mas sequer sabia seu nome. O fato de morarmos em edifícios vizinhos em nada facilitou minhas investidas. Eu continuava invisível aos seus olhos cor de tâmara. Ainda assim ela me arroubava os pensamentos mais profundos e fazia meu corpo se arrepiar só de imaginá-la com roupas de baixo. Ao mesmo tempo, aquela mulher que sempre levava consigo uns livros cujos títulos eram ilegíveis, me deixava na cruel dúvida que me tirava o sono: aquelas olhadelas de soslaio para mim significavam o quê?

Não saberia responder nem em mil anos e isso fazia de mim um patife enamorado, cuja culpa por desejar devorá-la como a um pêssego, deixava-me numa encruzilhada: amor ou desejo apenas? Àquela altura de minha vida, eu sabia exatamente que uma coisa independe da outra e por muitos meses meu corpo ardia em chamas antes de dormir. Logo depois eu me sentia culpado e o remorso me devorava a alma durante dias, até vê-la sorrir numa exibição de dentes brancos e perfeitos. Eu a queria.

Os meses foram passando e eu já não suportava mais aquela agonia silenciosa. A rotina era ir à escola pela manhã e passar a tarde – as vezes até mesmo toda a noite – vendo-a andar sob pernas de delicados pés, de um lado para o outro do apartamento ou entrar e sair do edifício, sempre carregando um livro e olhando para os lados, numa espécie de vigilância.

Um dia, cansado de mirar o impossível, aceitei um convite de um grande amigo do colégio que me convidara para tomar um sorvete na praça a duas quadras de casa. Estávamos conversando quando a minha musa inspiradora entrou. Eu estava munido de coragem para conversar com ela, quando a vi sorrir e caminhar em minha direção. Pensei comigo mesmo “estou com sorte! ela me quer também!”. Ela se aproximava ao que me parecia uma espécie de câmera lenta sempre presente em comerciais de shampoo. Eu lhe sorria atônito, quase babando.

Vi quando ela passou direto pelo meu lado esquerdo. Acompanhei seu caminhar gingado com a decepção escrita em cada célula do meu corpo. Ela sorria cada vez mais – e mais lindo – em direção a uma mesa mais atrás. Vi quando se sentou e quando beijou outro homem com um entusiasmo para mim desconhecido. Vi quando ele lhe tocava a face e as coxas numa sincronia admirável. Vi quando deixaram a sorveteria e como sorriam. Vi meu sangue percorrer com fúria meu corpo numa fração mínima de segundos. Vi meus punhos se cerrarem. Vi minhas lágrimas descendo rosto abaixo. Assisti minha própria vergonha.

Após anos com essa decepção na memória, conheci uma outra mulher. Não tão linda ou charmosa quanto aquela primeira, nem tão cheirosa e encantadora. De qualquer forma, essa nova menina se denominava minha e enchia de graça os meus dias. Depois de décadas, nunca esqueci, porém, que me apaixonei uma primeira vez. Tinha dez anos de idade e tudo parecia meio surreal. Como diria minha mãe, tudo serve como experiência. A primeira vez que me apaixonei ainda hoje me é inesquecível.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Por anos




O luar clareava teu rosto e eu tentava adivinhar qual a extensão do teu riso naquele momento. Eu, inocente, te dizia mil bobagens e você se deliciava com todas elas tal qual uma criança no parque de diversões. Caminhávamos deixando rastros na areia, de mãos dados e corações tão unidos quanto possível. Você era minha e eu não queria outra coisa senão continuar amando você.



As pessoas nos olhavam num misto de respeito e curiosidade. Quem éramos? Dois jovens com espíritos infantis descobrindo o amor. O primeiro amor. Nos diversos passeios que dávamos por praças floridas, as conversas giravam em torno sempre dos mesmos assuntos: nós dois e a eternidade.



Quando reclusos às quatro paredes de nossa intimidade, sua pele de tom pálido com poros dilatados diziam aonde eu deveria ir. Como um maestro, eu conduzia nossa volúpia e me embriagava em seus gozos de carnes trêmulas. Eram todos meus. Dançávamos nossa própria melodia de sonhos e desejo.



Nunca antes sonhei ser tão feliz, tão pleno. Sempre julguei isso algo incontestavelmente distante; nada me faria crer que um dia eu amaria tanto o cheiro de uma única mulher. Depois de anos esse amor continua sendo minha fonte de inspiração, meu próprio respirar. Quem um dia poderia imaginar tal coisa? A vida tem seus mistérios.



domingo, 10 de janeiro de 2010

Clarice




Um dia tentaram me separar de ti, Clarice amada. Julguei estar sendo alvo de uma brincadeira, mas a verdade se revelou uma verdadeira batalha contra o nosso amor. Quiseram separar nossos corpos, vida minha, mas esqueceram que nossos corações batem num compasso ímpar e que a sua existência é o meu respirar.

Pensaram em tentar contra o nosso romance, pequena, em destruir nosso castelo de puro carinho. Uniram-se contra nós, contra nossa harmonia. E o que fizemos, Clarice minha? Sorrimo-lhes felizes e de mãos dadas, ratificando a ideia de que o que estávamos vivendo era real, saudável e, ao nosso querer, eterno.

Clarice, Clarice, Clarice. Teu nome me soa como bálsamo. Como poderia eu querer outra menina? Como poderia negar sua presença? Como eles podem não enxergar a tua força? Tuas meninices e minha leveza diante de teus olhos. Teu riso amplo, tão imenso quanto o teu coração.

Hoje, algum tempo depois da turbulência, sentados na soleira de nossa casa construída de luz, rimos daqueles tolos que um dia desejaram nossa distância. Olhamos as estrelas que cintilam no céu e nos abraçamos tontos de um inebriante prazer: o de estarmos juntos.