Os dias que se seguiram a esse encontro de paixão fulminante foram terríveis. Eu não parava de pensar naquela mulher de cabelos ruivos que havia arrebatado o meu coração e, infelizmente, minha alma. Eu a via todos os dias e suspirava até mesmo dormindo. Nessa mesma época eu andava descobrindo sensações estranhas no meu próprio corpo. Foi uma fase de muitas descobertas. Algumas tristes.
Eu a admirava cada dia mais, mas minha timidez auto destrutiva limitava meus impulsos nervosos. Resumindo: eu não sabia o que fazer. Tentei me aproximar de variadas maneiras daquela mulher exuberante que usava umas saias de seda acima dos joelhos mais esplêndidos que eu já vira. Tinha maçãs do rosto bem definidas e um sorriso que lhe tornava uma criatura angelical, mesmo usando aquelas camisas de decotes mal-disfarçados.
Eu havia me tornado seu escravo, mas sequer sabia seu nome. O fato de morarmos em edifícios vizinhos em nada facilitou minhas investidas. Eu continuava invisível aos seus olhos cor de tâmara. Ainda assim ela me arroubava os pensamentos mais profundos e fazia meu corpo se arrepiar só de imaginá-la com roupas de baixo. Ao mesmo tempo, aquela mulher que sempre levava consigo uns livros cujos títulos eram ilegíveis, me deixava na cruel dúvida que me tirava o sono: aquelas olhadelas de soslaio para mim significavam o quê?
Não saberia responder nem em mil anos e isso fazia de mim um patife enamorado, cuja culpa por desejar devorá-la como a um pêssego, deixava-me numa encruzilhada: amor ou desejo apenas? Àquela altura de minha vida, eu sabia exatamente que uma coisa independe da outra e por muitos meses meu corpo ardia em chamas antes de dormir. Logo depois eu me sentia culpado e o remorso me devorava a alma durante dias, até vê-la sorrir numa exibição de dentes brancos e perfeitos. Eu a queria.
Os meses foram passando e eu já não suportava mais aquela agonia silenciosa. A rotina era ir à escola pela manhã e passar a tarde – as vezes até mesmo toda a noite – vendo-a andar sob pernas de delicados pés, de um lado para o outro do apartamento ou entrar e sair do edifício, sempre carregando um livro e olhando para os lados, numa espécie de vigilância.
Um dia, cansado de mirar o impossível, aceitei um convite de um grande amigo do colégio que me convidara para tomar um sorvete na praça a duas quadras de casa. Estávamos conversando quando a minha musa inspiradora entrou. Eu estava munido de coragem para conversar com ela, quando a vi sorrir e caminhar em minha direção. Pensei comigo mesmo “estou com sorte! ela me quer também!”. Ela se aproximava ao que me parecia uma espécie de câmera lenta sempre presente em comerciais de shampoo. Eu lhe sorria atônito, quase babando.
Vi quando ela passou direto pelo meu lado esquerdo. Acompanhei seu caminhar gingado com a decepção escrita em cada célula do meu corpo. Ela sorria cada vez mais – e mais lindo – em direção a uma mesa mais atrás. Vi quando se sentou e quando beijou outro homem com um entusiasmo para mim desconhecido. Vi quando ele lhe tocava a face e as coxas numa sincronia admirável. Vi quando deixaram a sorveteria e como sorriam. Vi meu sangue percorrer com fúria meu corpo numa fração mínima de segundos. Vi meus punhos se cerrarem. Vi minhas lágrimas descendo rosto abaixo. Assisti minha própria vergonha.
Após anos com essa decepção na memória, conheci uma outra mulher. Não tão linda ou charmosa quanto aquela primeira, nem tão cheirosa e encantadora. De qualquer forma, essa nova menina se denominava minha e enchia de graça os meus dias. Depois de décadas, nunca esqueci, porém, que me apaixonei uma primeira vez. Tinha dez anos de idade e tudo parecia meio surreal. Como diria minha mãe, tudo serve como experiência. A primeira vez que me apaixonei ainda hoje me é inesquecível.